segunda-feira, 7 de abril de 2008

Chacona e passacalia

Escrevo este post para responder a uma pergunta instigante de meu colega Francisco Wildt, surgida a partir de uma aula de harmonia, disciplina pelo qual ele é responsável no departamento de música da FAP (Faculdade de Artes do Paraná).

Este post é uma resenha do verbete correspondente no dicionário de música Harvard, que considero o melhor dicionário de música em um volume. Obviamente não conheço todos que existem, e este já é um pouco antigo – mesmo assim, é bem melhor que outros recentes que eu conheço.

“Chaconne and passacaglia” in APEL, Willi. Harvard dictionary of music. Cambridge MA: Harvard UP, 1944. p. 126-128.

Chacona e passacalia são duas formas da música barroca, proximamente aparentadas, ambas com característica de variação contínua sobre um tempo ternário lento, e com um ritmo harmônico lento (geralmente um acorde por compasso).

O autor diz que os termos foram alvo de fúteis discussões sobre sua origem e significado, bem como sobre a diferença entre eles. Os compositores barrocos usavam ambos os termos “indiscriminadamente” – ou seja, para os compositores tanto fazia chamar de chacona ou passacalia uma peça.

Para o autor, isso não impede que se busque maior precisão no uso atual destes termos. A proposta de APEL é distinguir as duas formas pela presença ou não de basso ostinato. Passacalia quando houver, e chacona quando não. Ocasionalmente o ostinato da passacalia pode estar na voz aguda e não no baixo.

Comumente o ostinato é um tetracorde diatônico descendente:






Ou sua variação cromática:



No entanto, esta distinção, possível de ser adotada hoje em dia – passacalia como variação baseada em um baixo ostinato e chacona como variação baseada em um esquema harmônico – não existia na prática dos compositores barrocos.

Sob a denominação moderna de passacalia poderiam ser classificadas passacalias de Bach e Couperin, bem como chaconas de Buxtehude, Kerll e Plachelbel, além de composições vocais como o dueto Pur ti miro de Monteverdi.

Por outro lado, podem ser classificadas modernamente como chaconas as Cento partite sopra il passacaglio de Frescobaldi, a Passacaglia de George Muffat e a famosa Chaconne de Bach. Há ainda exemplos de chacona em Beethoven (Variações em Dó menor op. 32), Brahms (movimento final da 4ª Sinfonia), Busoni (Toccata: Prelúdio, Fantasia, Ciaccona, de 1921) e Krenek (Toccata und Chaconne op. 13).

Os compositores do barroco francês ainda usavam freqüentemente os termos chaconne e passecaille para formas diferentes como o rondó. Exemplos desse uso são a Chaconne de Chambonières, a Chaconne-rondeau de d’Anglebert, e a Passecaille do 2º volume das Pièces de clavecin de Couperin.

Sobre a origem dos termos, APEL especula que a chacona era provavelmente uma dança “selvagem e sensual” importada do México para a Espanha no século XVI. Depois de importada para a Europa teria perdido seu caráter “desenfreado”, como aconteceu com a sarabanda e (300 anos mais tarde) o tango. A passacalia também foi originalmente uma dança, e o termo pode ter surgido da pasacalle, uma canção de rua espanhola.

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