terça-feira, 15 de abril de 2008

I - A Capela Real portuguesa

A Capela Real portuguesa existe pelo menos desde o século XIII, ainda de forma itinerante, acompanhando as cortes feudais em périplo por diversas igrejas, até fixar-se em Lisboa no século XV. Com a ascensão ao poder da dinastia dos Bragança, em 1640, inicia sua fase áurea. Segundo o autor, D. João IV, o primeiro monarca português após a União Ibérica, tinha recebido instruções claras de seu pai (em testamento) para manter a sua Capela. Foi também autor de um tratado sobre música e construiu o que provavelmente era a principal biblioteca de música da Europa, destruída pelo terremoto de 1755. (p.48) O autor também explica que no século XVIII, abastecida pelo ouro do Brasil, a monarquia portuguesa investiu ainda mais na Capela, contratando músicos italianos e mandando músicos locais para estudar na Itália. (p. 49)

Em 1730 a Capela Real portuguesa tinha 26 cantores italianos. Domênico Scarlatti foi mestre de capela em Lisboa entre 1720 e 1729. No período pombalino (após 1750), quando o Estado passou se organizar pelos moldes absolutistas e disputar o poder com as instâncias religiosas, ocorreu uma derrocada da música litúrgica e do padrão da polifonia religiosa portuguesa, tornando-se dominante o gosto musical mundano da ópera napolitana, que passa a ditar inclusive o estilo musical da composição de música sacra.

Outros renomados compositores napolitanos que atuaram em Portugal foram David Perez, que foi mestre-de-capela a partir de 1752 e Nicolo Jommelli, que não aceitou cargo em Portugal mas assinou contrato para fornecimento anual de óperas e música litúrgica. Além disso, havia uma grande presença de cantores e músicos italianos, que fizeram com que atividade musical em Portugal (tanto ópera como música litúrgica) estivesse sempre atualizada em relação à moda criada na Itália.

Por essa escola napolitana de composição formou-se toda a nova geração de compositores portugueses: João de Souza Carvalho (1745-1798), que estudou em Nápoles e foi professor de toda uma geração de compositores, como Antônio Leal Moreira (1758-1819), João Domingos Bomtempo (1775-1842) e Marcos Portugal (1762-1830).

Esta tradição da Capela Real portuguesa transferiu-se em 1808 para o Rio de Janeiro, juntamente com a vinda do príncipe regente. Boa parte dos músicos italianos dispersou-se pela Europa, mas muitos vieram atrás da vida da corte após 1810.

O autor narra as peripécias para constituir a Capela Real no Rio de Janeiro, o que incluiu dificuldades com local de funcionamento e com disponibilidade de músicos, sendo que os principais (inclusive o mestre-de-capela desde 1800 - Marcos Portugal) tinham ficado na Europa. O grosso de músicos e cantores começou a vir de portugal em 1809, conforme relação de nomes dada pelo autor à página 58. O autor também relata o aumento gradativo das despesas com a contratação de músicos, tentando manter a alta qualidade artística da Capela Real. Para tanto foram trazidos a partir de 1817 vários castrati italianos para atuarem como solistas - sabendo-se que trabalharam com a Capela Real e também nos teatros de ópera do Rio de Janeiro. O ápice do efetivo de músicos da Capela Real deu-se em 1824, com um total de 64 músicos assalariados da monarquia portuguesa.

O autor dedica algumas páginas a discutir o impacto da chegada de Marcos Portugal ao Rio de Janeiro em 1811. Primeiro mostra a ambigüidade das biografias deste que era o compositor preferido da família real, não sendo possível determinar com clareza os motivos por que ficou ainda 3 anos em Portugal, após a vinda da corte. O fato é que sua chegada pôs fim ao período de maior prestígio do carioca José Maurício Nunes Garcia, que assumiu o cargo de mestre-de-capela enquanto não estava presente o ilustre lisboeta. Nunes Garcia estava acostumado a um estilo mais austero de música religiosa que ficou totalmente desprestigiado com a mudança de gosto provocada pela chegada da corte. (O tema da mudança estilística de Nunes Garcia e do próprio gosto musical no Rio de Janeiro tem sido alvo de vários estudos importantes, que vou comentar aqui no blog em outras oportunidades.)

Existe também uma polêmica sobre a atitude de Marcos Portugal em relação a seus colegas de atividade. Todos os biógrafos de Nunes Garcia apontam o português como um vilão invejoso e capaz de tudo para destruir o rival e também o austríaco Neukomm que esteve no Brasil entre 1816-1821. Mas segundo o autor a documentação disposível não permite conclusões definitivas.

Após o período áureo durante a estada da corte portuguesa, a partir da independência a Capela Real transformou-se em Capela Imperial e entrou em franca decadência, segundo o autor. Os salários começam a sofrer atrasos e as renovações de contrato eram sempre acompanhadas de redução na remuneração. Marcos Portugal foi sucedido no cargo por Fortunato Mazziotti e Nunes Garcia por Simão Portugal (irmão de Marcos). Muitos comentaristas atribuíram a decadência da vida musical à mediocridade destes dois músicos o que é falso. Para o autor ocorreu mesmo uma crescente dificuldade financeira que culminou com a virtual dissolução da Capela durante o período regencial (1831-1840). (Sobre este período regencial especificamente, há outra ótima tese que vou comentar aqui no blog em outra oportunidade.) Nesta época os músicos foram obrigados a procurar funções eclesiásticas, oferecer-se nos jornais para dar "liçoens de múzica" ou mesmo emigrar para Buenos Aires e Montevidéu.

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