sexta-feira, 6 de junho de 2008

Música e espiritualidade na semana Champgnat

O Colégio Marista Paranaense promoveu ontem mais um concerto da série Música e espiritualidade em sua capela. Desta vez o concerto coincidiu com a semana em que os maristas homenageiam Marcelino Champagnat, o fundador da irmandade que tem como marca sua atuação na educação baseada em valores cristãos.

Os concertos vêm sendo organizados pela pastoral, com patrocínio da APM e direção musical de Fabrício Mattos, ex-aluno do colégio. O programa da noite de ontem foi selecionado para conter obras de compositores que tiveram temporadas parisienses contemporâneas ao período de Marcelino Champagnat (início do século XIX).

A capela do marista é um lugar muito belo e inspirativo, do tipo que faz um protestante (do ramo calvinista) como eu ter raiva de sua própria tradição religiosa. Nosso iconoclasmo nos faz perder toda a beleza da devoção contida nas pinturas e imagens. As paredes da capela são lisas, mas pintadas com um técnica tal que nos sugere volume. Fiquei o tempo todo pensando em ir lá passar a mão para ver se as paredes são lisas mesmo, e se o volume é apenas sensação visual provocada pela pintura.

Um representante do colégio fez um pequeno discurso associando a prática de estarmos ali, assistindo a uma apresentação musical e a devoção a Deus e ao próximo. Ressaltou os valores maristas e cristãos e lembrou o quanto a música pode ser uma foram de sairmos da nossa rotina ditada pelo relógio "parando de correr contra o tempo e deixando que ele corra a nosso favor".

A música que foi executada, se prestou exatamente a esta espiritualidade, e aos valores maristas que ressaltam a singeleza e a dedicação ao próximo. Obras de Ferrer, Burgmüller e Carulli - compositores que não costumam ser colocados no pedestal da fama e da glória da música clássica, mas que foram importantes manifestações musicais do início do século XIX.

O primeiro foi o compositor de uma obra solo para Terzguitar, instrumento antigo, que Fabrício Matos executou com perfeição numa réplica construída pelo luthier Leandro Mombach. Trata-se de um violão de menores proporções, afinado terça acima do violão moderno, o que lhe permite transitar melhor por certas tonalidades, como a de sol maior na qual foi executada a peça. O timbre artesanal do instrumento, e a construção harmônica singela da obra fizeram o casamento perfeito com o ambiente da capela e a ocasião da homenagem a Champagnat.

De Burgmüller foi executado um duo com cello e violão, e de Carulli outro com flauta e violão. Além destes compositores, variações de Beethoven para cello e piano executadas sem a parte do piano - o que proporcionou um ambiente de maior inspiração. O piano, instrumento mor do racionalismo iluminista e da organização capitalista não casaria bem com o ambiente de devoção da noite e, ao transformar o duo num solo de violoncello, as variações de Beethoven transformam-se numa prece singela.

para fechar o programa, duas transcrições: uma peça pianística de Debussy e a Cantilena que é o primeiro movimento das Bachianas nº 5 de Villa-Lobos. (Peço desculpas pelas imprecisões nos títulos das obras, mas não havia programa impresso.) As duas transcrições para trio de flauta, violoncelo e violão, soaram perfeitas. Eu diria que a própria peça original de Debussy soaria como se fosse uma transcrição, após a perfeição tímbrica que foi a versão executada ontem.

O mesmo eu diria para a peça de Villa-Lobos. Sua versão original é para voz e octeto de violoncelos. Por absoluta incompetência prosódica do compositor (e também por incompetência enunciativa da maioria absoluta dos cantores) o texto da versão original é sempre incompreensível. De modo que a versão para flauta captou a alma melódica e descartou um texto já em si descartável. A linha de baixos foi preservada na parte transcrita para o violoncelo (instrumento que Villa-Lobos tocava profissionalmente) e o "recheio" harmônico foi adaptado para o violão (instrumento que fornecia toda a imaginação harmônica de Villa-Lobos).

A direção musical não poderia ser melhor. Fabrício Mattos é um violonista que sabe música, o que é uma coisa rara. Ele escolheu bem o repertório, fez as transcrições de forma perfeita e convidou os músicos perfeitos para a noite. Aliás, flauta e violoncelo costumam fazer muito bem suas partes em duos ou trios. O que normalmente atrapalha é o instrumento harmônico, na maioria das vezes tocado por digitadores e não por músicos. Não foi o caso ontem. Fabrício Mattos soube tirar do violão a exata expressão musical, em absoluta sincronia com seus irmãos músicos apesar dos poucos ensaios. Aliás, um concerto como esse só precisaria de muitos ensaios se os músicos não fossem tão experientes e conhecedores da linguagem que estavam apresentando.

A flauta foi tocada por Fabrício Ribeiro, que é talvez o principal flautista em atividade hoje em Curitiba, apesar de ser bem jovem. Ele foi destaque em outro concerto comentado aqui no blog, fazendo a primeira flauta da Orquestra Sinfônica do Paraná, como músico convidado. O violoncelo ficou a cargo de Tomas Juksch, músico fundador da Camerata Antiqua de Curitiba, duma família de músicos - homem de grande experiência musical e extrema sensibilidade.

Não podia ter sido melhor a noite. Fica a dica para que se acompanhe a programação musical do Marista Paranaense, que está se mostrando uma grande pedida para noites de quinta-feira.

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